Eduardo Galeano é ilegível e indispensável. “As Veias Abertas da América Latina” é um livro lacrimoso. Dói ler, porque melodramático e porque o tema exige lágrimas. É sobre como fomos colonizados, escravizados, calados, vendidos. Por séculos.
Até hoje? É.
Foi clássico da literatura de oposição dos anos 70 para 80. Li bestificado quando estava no colegial. Nossas elites nos torturaram com requintes de crueldade medieval. Inquisição espanhola perde.
A América Latina permanece colônia. Seguimos subalternos, cumprindo as ordens dos impérios e seus funcionários nativos. Sempre sob o tacão do eterno ajuste fiscal, que só serve para render juros gordos para quem tem o que aplicar, e garantir notas boas das agências de rating, cuja credibilidade é zero. Seguimos índios, bestas de carga.
Pelo menos não é mais “América Latrina”, como dizíamos em 1980, governados como animais por cavalgaduras fardadas. Hoje escolhemos quem nos cavalga. Vivemos menos mal. Não é muito, mas é muita coisa.
Galeano tem sua parte de responsabilidade nisso. Inspirou muita gente a enfrentar governos autoritários.
Inspirou também muitos cretinos. Era armamento garantido no arsenal autoritário do stalinismo global. Comunicação é o que gente diz e o que os outros ouvem.
Uns anos antes de morrer em 2015 o escritor uruguaio fez uma meia mea-culpa. Disse que mais velho escreveria “Veias” de outra maneira. Que quando publicou o livro, não tinha conhecimentos mínimos de economia para fundamentar suas teses.
Não mudou muito de posição política. Continuou esquerdista a la Século 20. Apoiou acriticamente Hugo Chávez, tão preguiçoso quanto demonizá-lo. Apoiaria hoje Maduro? Não saberemos.
Mas Galeano não conseguiu abandonar a visão do mundo em preto e branco, os bandidos e seus inimigos, meus amigos. Poucos conseguem.
Se caducou na cura, mantém-se atual no diagnóstico. Nossa responsabilidade é só nossa, mas nossos problemas não. Muitos, talvez os principais, têm origens fora de nossas fronteiras. Isso não é política, é economia. Vale pro nosso canto aqui, vale pra outros cantos mundo afora.
Galeano deveria ser leitura obrigatória por esses idiotas que usam as liberdades da democracia para defender que elas acabem. Hm, deixemos os quadrúpedes com seus tapa-olhos.
Quem sabe a garotada leia Galeano e se inspire para os anos que virão? Não no stalinismo, torçamos.
Escreveu muito mais que as “Veias”, mas é pelo que ficou pra História, e por seu talento de frasista. Qualquer uma destas frases abaixo é digna de celebrarmos Galeano, intelectual falível, militante manco, eterno ícone da luta contra todas as ditaduras.
“O corpo não é uma máquina como nos diz a ciência. Nem uma culpa como nos fez crer a religião. O corpo é uma festa.”
“Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros. Nossa riqueza sempre gerou nossa pobreza por nutrir a prosperidade alheia: os impérios e seus beleguins nativos.”
“Na alquimia colonial e neocolonial o ouro se transfigura em sucata, os alimentos em veneno.”
“A direita tem razão quando se identifica com a tranquilidade e com a ordem. A ordem é a diuturna humilhação das maiorias, mas sempre é uma ordem - a tranquilidade de que a injustiça siga sendo injusta e a fome faminta.”
“A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será.”
“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”
Sua independência de pensamento continua seduzindo minha "adolescência permanente e rebelde, pero no mucho". Li Galeano, às lágrimas, como você, no início da década da 80.
Como você bem pontuou, o diagnóstico continua, em grande parte, válido. Que jovens sensatos, desses que não se submetam a cangas e antolhos, o leia e se inspirem, ao menos, a fazer o que julgam correto! O que não é pouco...
Não me importa os erros que ele possa ter cometido, precisamos "descolonizar" a América Latina e pra ontem