É possível e útil discutir as manifestações contra o aumento da passagem de ônibus. Vale a pena olhar pelo lado da população. Dos manifestantes. Dos partidos que controlam as prefeituras e dos partidos que se opõem a eles.
Da rapaziada que dá a cara pra bater e da polícia que até que não está batendo tanto assim. Da histeria de uns e da passividade de outros.
Muita gente está discutindo o assunto, tomando posição, ou simplesmente exprimindo sua frustração. Poucos estão discutindo, e muito menos propondo, o essencial: que o transporte público deve ser gratuito.
Claro que há razões políticas para as manifestações. Claro que há razões eleitorais para o enfoque sensacionalista do noticiário. Claro que há danos de fato para a população prejudicada, tanto pelos (pequenos) aumentos como pelos engarrafamentos.
Claro que alguns manifestantes foram presos e continuam presos, e outros levaram bordoadas, e claro que isso faz parte dos riscos de uma manifestação. Claro que há prejuízo ao patrimônio público. E claro que rolam prejuízos muito maiores ao patrimônio público todos os dias, nos quatro cantos do país.
Mas essa clareza toda só serve é para esfumacear o principal. Transporte público é simplesmente importante demais para ser deixado aos sabores do mercado.
Em uma metrópole, é vital como o sistema circulatório para uma pessoa. Sem ele param todos os serviços vitais, públicos e privados, os negócios, o estudo, a vida.
Gratuito não significa que o transporte público precisa ser estatizado. Quando eu usava muito ônibus em São Paulo existia a CMTC, companhia municipal de ônibus. Era uma droga. Hoje, uso um pouco o metrô, estadual e público, que já foi decente e hoje despencou de qualidade é mais ou menos.
Não importa quem é o dono dos ônibus e trens. Não importa se a atividade gera lucro para particulares ou para o estado. O importante é que a tarifa seja grátis.
Não é birutice ou blasfêmia exigir transporte público gratuito. Afinal, temos muitos outros serviços públicos "gratuitos". Quem paga a conta? Nós mesmos, com o dinheiro dos impostos.
Escola e vacina são grátis, para ficarmos em dois fundamentais. Você acha que deviam ser cobrados? E transporte público também já é grátis, se você já estiver na terceira idade; se for deficiente e chamar o serviço de transporte especial; ou se for atropelado, e levado para o pronto socorro pelo Samu.
Estou louco? Estou em boa companhia. Muita gente mundo afora defende o transporte público gratuito. Já existe até o Free Public Transport Day, comemorado no dia 2 de março.
Onde já foi implementado o transporte público gratuito? Em umas poucas cidades, como Hasselt, na rica Bélgica, e Changning, na emergente China, Perth, na Austrália, e Bozeman, nos Estados Unidos.
O que aconteceu? Aumentou muito o uso do transporte público, diminuiu muito o uso do automóvel, a poluição do ar caiu. E investimentos em novas avenidas, pontes etc. se tornaram desnecessários, liberando esses recursos para outros usos.
Com transporte público gratuito no Brasil, teremos ar mais limpo - menos gastos com saúde, dias de trabalho perdidos etc. Teremos menos carros nas ruas. Teremos menos acidentes. Menos dependência de petróleo. Teremos menos trânsito!
São as famosas externalidades, os custos disfarçados das atividades econômicas. Que precisam entrar na conta. Se não entram, é que a conta está mal feita. E está sendo feita, em muitos lugares.
A conta mais importante dói mais pra quem tem menos. Quatro conduções por dia útil são de R$ 200,00 a R$ 300,00 por mês, muito dinheiro para uma parte enorme dos brasileiros.
Em São Paulo, a tarifa zero entrou em pauta no governo Luiza Erudina. A idéia era financiar isso com um aumento no IPTU, que seria progressivo, mais alto para os que têm imóveis mais valiosos. Não foi pra frente.
É hora de retomar a proposta nacionalmente, em versão atualizada e inclusiva (e com muita atenção para as necessidades dos que têm necessidades especiais). A São Paulo de 2013 é bem mais complicada que a de 1990. Por outro lado temos muito mais dinheiro, tecnologia, gente esperta pra ajudar a bolar boas soluções, e experiências internacionais com tarifa zero.
Todo esse enfrentamento não pode ser por causa de R$ 0,20 de aumento. Seria muito desperdício de energia. Há um objetivo que importa e tem que entrar em pauta: o transporte público gratuito.
Aqui e agora existe uma organização se mexendo para isso: o Movimento Passe Livre. É pouco. É muito, porque é um começo, e com uma visão que pode parecer utópica, mas é absolutamente concreta e factível.
A briga é bem maior que a tarifa zero. Precisa de outros atores, outras forças, criatividade, diplomacia, visão - e sem abrir mão da agressividade. É preciso pensar grande, e bater duro. Há que entender que o transporte público gratuito é peça fundamental de um conjunto de medidas urgentes para a criação de cidades mais humanas, eficientes, inteligentes, ricas.
Não vejo sinal de que nossos governantes pensem grande, ou queiram fazer grandes coisas. Mas isso é assim mesmo e não é problema. Governantes só se mexem sob pressão, do dinheiro, da opinião pública e dos eleitores. Mudar as coisas é nossa responsabilidade, não deles.
Como se faz pressão? Uma parte é, sim, enfrentamento, barulho, incômodo. Sempre é assim, e sempre é tachada de irresponsabilidade, vandalismo, anarquia etc. Era assim na época da campanha das diretas, se você se lembra... e é assim em todo lugar.
Aliás é exatamente assim, neste exato, momento na praça Taksim, no centro de Istambul, onde a polícia usa gás lacrimogêneo fabricado no Brasil contra os manifestantes.
Os turcos começaram protestando contra o corte de árvores na histórica praça, para construção de um shopping. Agora o protesto virou a ponta de lança de um combate contra a crescente pendência islâmica do governo da Turquia.
O país é tradicionalmente laico desde o fim do império otomano, graças à visão moderna do fundador do moderno estado turco, Ataturk. Que é justamente o padroeiro dos manifestantes da Taksim. Quando esses movimentos começam, nunca se sabe onde vão parar. Ou se vão parar.
Veja bem, eu também não gosto de quebra-quebra na avenida Paulista ou na Igreja do Carmo. Para conseguirmos a tarifa zero - e muito mais - precisamos ser mais estratégicos.
Sugiro que os jovens militantes se inspirem em Paris, maio de 68. As manifestações no Brasil podem ser bem mais caprichadas e capciosas. Como está, incomodam muito a população, e pouco quem deve ser incomodado.
Sugiro à rapaziada acampar na frente das prefeituras, impedir a entrada e saída dos funcionários. Bater lata à noite inteira na frente da casa do prefeito. Alugar (afanar?) ônibus e botar a serviço da população, com catraca liberada, e muito folhetinho explicando o movimento.
Que venha o vandalismo nos estádios de futebol sendo construídos para a Copa, pra exigir que a construção seja interrompida, e o dinheiro usado para tarifa zero.
Acampar nos estacionamentos nos bairros mais chiques da cidade, nos prédios de escritórios bacanésimos, shoppings de luxo etc. Occupy helipontos! Riquixás movidos a universitários para transportar operários!
E por aí vai. Outras mentes mais criativas que a minha inventarão outras maneiras, sensacionais e sedutoras, de protestar e pressionar. Maneiras que precisam ter como objetivo angariar a simpatia da população.
Porque para conseguirmos a tarifa zero, camaradas, precisamos de muita gente que hoje está contra os protestos. Aos jovens a tarefa dos jovens, aos marmanjos a nossa.
Em vez de ser contra o aumento, ou contra os manifestantes, proponho que sejamos a favor de alguma coisa boa, uma coisa maior. Como diz o slogan do Tarifa Zero, uma cidade só existe para quem pode se movimentar por ela. Transporte público gratuito já!
ATUALIZAÇÃO 2023
Dez anos depois, quanta coisa mudou e quanta coisa não mudou, hem?
Veja aqui uma lista de cidades que adotaram alguma versão do transporte público gratuito (inclusive as experiências brasileiras!):
http://freepublictransports.com/city/
Com a palavra o professor Roberto Andrés, da UFMG. Roberto é fundador da boa revista “Piseagrama”, colaborador da “Piauí” e autor de um livro que parece bem completo sobre Tarifa Zero (e que acabei de encomendar):
“Desde que implantou Tarifa Zero, a cidade de Caucaia, no Ceará:
- reduziu em 40% o número de carros nas ruas
- aumentou em 4x o número de usuarios nos onibus
- aumentou em 16 a 36% a renda das famílias mais pobres.
Tudo isso custa apenas 2% do orçamento municipal.”
O livro do Roberto está aqui e você pode seguir ele no Twitter.
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