Tapando o sol com jornalismo fossilizado
Entre o desespero e o cinismo, resta responsabilizar os irresponsáveis
Tá quente no Brasil como nunca. Aproveite o clima ameno. Todas as projeções garantem calor bem mais opressivo em anos vindouros.
Fique à vontade pra escolhar qual cenário lhe parece mais provável. Vai do otimista, que é só desastroso, ao pessimista, que é inimaginavelmente cataclísmico.
Essa projeção ilustrada vai te ajudar. São as “stripes” do cientista climático britânico Ed Hawkins, que você pode seguir aqui.
Essa parte azul cobre a variação do clima global de 1850 até agora de pouco.
Dependendo do que fizermos, vamos para uma das cinco faixas à direita até 2100, daqui 76 anos. Nós estamos naquela faixa amarela clarinha, “you are here”. O canto direito superior é o apocalipse.
Eu tenho quase sessenta anos. Garanto que sete décadas passam rápido.
Dependendo do que fizermos com as petroleiras, especificamente. Como disse ontem o Gavin Newsom, “a crise climática é uma crise da energia fóssil”. O governador da Califórnia anunciava um processo do estado contra cinco big petroleiras. Até que enfim.
Sobram provas de que a indústria do petróleo vêm mentindo há décadas. Esconde deliberadamente os resultados de seus próprios estudos científicos sobre o impacto do óleo, carvão e gás sobre o Aquecimento Global. Recebe subsídios zilionários de dinheiro público, do nosso dinheiro público.
Elas vão perder o processo, figa. Elas vão ter que pagar caro e vão fechar, figa, figa.
Vai demorar. Pode demorar menos. Todo minuto faz diferença. Newsom convoca outros estados, países, cidades a entrar com processos semelhantes.
Fica a dica pra Marina Silva, o estado do Rio Grande do Sul, ou qualquer cidade que sofrer com a onda de calor desta semana: botem a Petrobras e cia. no pau. California Dreaming, why not?
Enquanto isso o noticiário varia entre o desespero e o cinismo, mesma situação do negociador climático citado hoje pela Daniela Chiaretti no jornal Valor Econômico.
O desespero está na página 2 abaixo. Na canseira da incansável Dani com quem pede mais leveza na cobertura do Clima; na resignação do Fernando Meirelles.
O cinismo está na página 4 do próprio Valor: uma página inteira falando dos investimentos do novo PAC. Em 2023, continuamos lendo matérias sobre petróleo sem uma única menção à Emergência Climática.
Nosso jornalismo fossilizado promove o Capitalismo Fóssil. Não é exclusividade do Valor, é a regra.
Pego no pé porque leio diariamente e porque é nosso principal veículo econômico. Vale igual pra todos os outros, que também têm vozes indispensáveis - e isoladas - como a Dani Chiaretti.
Naturalmente os jornalistas que cobrem setores específicos precisam manter boas relações com suas fontes. Isso não é menos verdade no setor energético.
Quem tem que determinar que toda matéria sobre petróleo, carvão e gás explique a relação destes combustíveis com o Aquecimento Global é a direção de cada veículo. É o que fez na Inglaterra o Guardian, maior jornal em língua inglesa do planeta.
Certo que é farta a publicidade dos poluidores, no Brasil e em todo lugar. Mas imprensa não pode tapar eternamente o sol com peneira. É preciso responsabilizar os irresponsáveis, tanto os poluidores quanto seus propagandistas. Chega de cinismo.
Ao invés de inventarmos IAs, poderíamos criar algo para realmente parar com coisas que só nos matam mais