A criatura em seu habitat natural, o estúdio. Foto da Nina Becker
Uns meses depois da morte do Miranda recebi mensagem da Bel Hammes, mulher dele. Começava a se desfazer do prodigioso acervo do marido - de música, filmes, livros, bonecos. Já separara o que tinha mais valor emocional pra ela, e o que fazia questão de guardar pra filha deles, Agnes.
Não fazia ideia de como fazer preço na biblioteca, uns 80% quadrinhos. Bel sabia da nossa paixão conjunta por gibi. Fato e sempre conversamos muito mais sobre HQ do que sobre música, desde, sei lá, 1990?
O coração desse lado do telefone apertou. Pudera eu ser milionário e manter tudo reunido, manter o amigo vivo em suas escolhas, no que lhe deu prazer, no que modelou sua visão de mundo, no que influenciou seu trabalho. Queria eu que o Brasil fosse um lugar onde institutos, bibliotecas ou universidades valorizassem acervos assim.
Mas nem um, nem outro. E a vida é assim mesmo, os vivos têm que cuidar dos vivos. Um ano depois eu mesmo desmontaria o apartamento dos meus pais, experiência excruciante, corriqueira.
Combinamos o encontro. Toca pro apartamento da Vila Ipojuca, caverna do Ali Babá, tesouros pelas paredes. Olhei tudo com calma, fui anotando títulos e preços dos livros e das graphic novels. Só filé, muita coisa cara, a maioria importada.
Miranda costumava dizer que a coleção de HQ dele era minha culpa. Porque fui eu que lhe apresentei a Amazon justo quando ele estava começando a ganhar dinheiro bom, “bah, fodeu”.
É, mas ele que escolheu e pagou. Coleção maravilhosa, expansiva, idiossincrática. Mas nada particularmente valioso, que você não pudesse comprar no mesmo dia pela internet. Combinamos de eu fazer uma avaliação informal e sondar potenciais interessados.
Em duas semanas fiz as duas coisas e repassei as más notícias para Bel. As alternativas práticas era deixar consignado em um sebo ou vender a coleção toda com um grande desconto. Ou ela mesmo ir vendendo picadinho na Amazon, minha recomendação, mas trabalhosa e lenta. Ela acabou tomando esse último caminho.
Nesse mesmo papo, perguntei se ela me permitiria comprar uns poucos livros do acervo, mais pela recordação do amigo. Ela gentilmente permitiu. Voltei lá e rapidamente selecionei dezesseis.
Não passaram a fazer parte da minha biblioteca. Não foram separados em estantes de ficção, não-ficção, cultura pop, mangá ou clássicos. Continuam juntinhos, bem na entrada do escritório de casa, me fazendo companhia diária. E em cima deles mora um bonequinho da Agnes, que veio por engano na sacola, naquele dia.
E é assim que passei os últimos seis anos com Miranda.
Esse minidocumentário sobre Miranda foi feito em 2018.
Miranda era do rock, mas tinha ouvidos bem abertos. Essas entrevistas com o Cesar Gavin são todas muito legais, mas gosto especialmente desse trecho, falando sobre outros gêneros.
Antes da fama, já era estrela. Aliás, já veio popstar de fábrica. Teria sido um apresentador sensacional de talk show, como mostra sua primeira entrevista para o Jô Soares, de 1997.
Só alegria!
A entrevista com o Cesar Gavin é impagável! Que figuraça o Miranda!!