Não tenho lembrança de leitura anterior à Folhinha. Minha mãe me ensinou a ler em casa, usando uns cartões que ela mesmo escrevia, estou vendo a letra dela agora, sílabas redondinhas, várias cores. Eu tinha cinco anos. Foi antes de ter minhas primeiras aulas, antes do pré-primário.
Esse método era moda na época. Hoje é moda não ensinar as crianças a ler nada antes dos sete, oito, anos. Antigamente era mais divertido. Obrigado, dona Valderez.
Já quem me ensinou a ler jornal foi o Maurício de Souza, que era a grande atração da Folhinha. Em casa o jornal sempre foi a Folha. Meu pai dizia que era tradição familiar, desde a época do pai dele, porque o Estadão era muito direitoso.
Então bem pequeno esbarrei nas historinhas (como se dizia na época) de Cebolinha e Cascão, Horácio, Astronauta e Jotalhão, e não lembro da Mônica. O suplemento infantil da Folha trazia sempre quadrinhos e também atividades, labirintos, caça-palavras.
A Folhinha era pra crianças um pouco maiores, a partir de uns sete ou oito anos, alfabetizadas. Não era planejada pra mim. Eu era muito pequeno. Mas era acessível o suficiente para ser navegável.
O caderno era semanal e eu queria mais. Descobri que tinha outro lugar no jornal que publicava tiras todos os dias! E assim fui parar na Ilustrada, leitor diário e fidelíssimo de Hagar e companhia. Com o tempo fui escorregando pra matérias sobre filmes, televisão. E música.
Os jornalistas da Ilustrada não estavam escrevendo pra serem lidos por criança. Mas eu queria fazer aqueles textos serem meus, mesmo que não fosse capaz de entender a maior parte. Insistindo foram e com o tempo fui.
Anos depois fui parar na Ilustrada de fato: trabalhando lá, meu primeiro emprego. Em 1989 eu era repórter, cobrindo cinema e música e editando uma seção semanal sobre quadrinhos. O mercado de HQ estava pegando fogo. A editora Globo decidiu fazer um grande investimento na área e tirar o Maurício de Souza da Abril.
Lá fui eu entrevistar o Maurício. Única vez que conversei com ele. Quem já chegou perto sabe: o Maurício da vida real lembra muito o Maurício que a gente imaginava na infância.
Ele estava cheio de planos mirabolantes, de animação a parque de diversão a expansão internacional. Por isso minha matéria foi desviada para o caderno de Negócios da Folha, então editado pelo Matthew Shirts. Foi quando nos conhecemos.
Depois admirei à distância a carreira do camarada, brilhando à frente da National Geographic e como cronista apaixonado por São Paulo. Ele que inventou a Vila Madalena, sabia? E é aqui mesmo no bairro que a gente de vez em quando se tromba na rua.
Sincronicidade: esses dias a Folhinha fez sessenta anos. Teve matéria comemorando no jornal. E produziram esse vídeo, entrevistando antigas editoras, a amiga Marcella Franco, que é a atual, o Gabriel Priolli, que era leitor lá no começo, e - claro - o Maurício.
Na mesma semana o nosso podcast Amigos, Barcinski, Forasta e Paulão teve como convidado o Matthew. Com tema sério que nos afeta a todos e ele encara profissionalmente: Emergência Climática. Mas fiquem tranquilis, que como sempre demos risada à beça. Impossível fechar a cara perto do Matthew.
Matuto: de que jeito as crianças de hoje e amanhã vão aprender a ler, e principalmente ler o que não foi escrito pra elas?
ouvi ontem a entrevista com o Matews, muito legal. Já tinha visto várias palestras dele quando era estudante e fui assinante da NG por uma década até caixa de couro para organizar a coleção eu tenho.
As crianças sempre darão um jeito de ler o que não foi escrito pra elas, desde que tenham pais leitores. Eu, aos 8 anos, lia Nelson Rodrigues no Última Hora... Não entendia metade, mas intuia que ali havia um mundo muito interessante😎