"Para começar, me permita contar uma história. Era uma vez dois chacais: Karataka, cujo nome significava Cauteloso, e Damanaka, cujo nome significava Ousado. Eles ocupavam uma posição secundária na côrte do rei leão Pingalaka, mas eram ambiciosos e astutos.
Um dia, o rei leão se assustou com um rugido na floresta, que os chacais sabiam ser a voz de um touro fugitivo, nada que pudesse assustar um leão. Eles visitaram o touro e o persuadiram a comparecer diante do leão e declarar sua amizade.
O touro tinha medo do leão, mas concordou, e assim o rei leão e o touro tornaram-se amigos, e os chacais foram promovidos às principais posições na côrte do monarca agradecido. Infelizmente, o leão e o touro começaram a passar tanto tempo batendo papo que o leão parou de caçar e os animais da comitiva passaram fome.
Então os chacais persuadiram o rei de que o touro estava conspirando contra ele, e persuadiram o touro de que o leão estava planejando matá-lo. Então o leão e o touro lutaram, e o touro foi morto, e rendeu bastante carne.
Os chacais subiram ainda mais na consideração do rei porque o haviam avisado da conspiração. Eles também foram muito elogiados por todos os demais habitantes da floresta, exceto, é claro, o pobre touro, mas isso não importava, porque ele estava morto e proporcionando a todos um excelente almoço.
Esta é, aproximadamente, a história que apresenta "Sobre causar conflito entre amigos", a primeira das cinco partes do livro de fábulas de animais conhecido como Panchatantra.
O que sempre achei atraente nas histórias do Panchatantra é que muitas delas não moralizam. Eles não pregam a bondade, a virtude, a modéstia, a honestidade ou a moderação.
A astúcia, a estratégia e a amoralidade muitas vezes superam toda a oposição. Os mocinhos nem sempre vencem. (Nem sempre é claro quem são os mocinhos.).
Por esta razão, elas parecem para o leitor moderno estranhamente contemporâneos – porque nós, os leitores modernos, vivemos num mundo de amoralidade e descaramento e traição e astúcia, em que os bandidos em todos os lugares muitas vezes venceram."
(Perdão pela tradução tôsca do comecinho do artigo imperdível de Salman Rushdie para o Guardian, por sua vez adaptado de um discurso recente dele na feira do livro de Frankfurt. Leia a íntegra. Te deixo com um pedaço do original:
“What do we do about free speech when it is so widely abused?
We should still do, with renewed vigour, what we have always needed to do: to answer bad speech with better speech, to counter false narratives with better narratives, to answer hate with love, and to believe that the truth can still succeed even in an age of lies.
We must defend it fiercely and define it broadly. We should of course defend speech that offends us, otherwise we are not defending free expression at all.”