O preço salgado da reforma tributária
E uma explicação bem arroz e feijão de quem vai pagar por ela
É consenso que o sistema tributário é caótico. É consenso errado.
Você vive trombando essas muitas campanhas na linha “o brasileiro paga muito imposto”. São verdade e mentira. Uns pagam muito e outros pouco; para uns poucos o imposto pesa muito e para muitíssimos, demais. O que o zé-povinho paga de imposto, só de indireto que seja, é um deus-nos-acuda.
Esse discurso esconde interesses. É sempre usado como premissa para embasar a seguinte conclusão: “não dá pra aumentar mais os impostos porque o brasileiro já paga muito, portanto o que resta é cortar as despesas do Estado.”
Só que não existe esse contribuinte, “o brasileiro”. O sistema tributário brasileiro não é caótico, é bem ordenado.
Ele foi projetado e vem sempre sendo remodelado para privilegiar o contribuinte que está no topo da pirâmide e arrancar o couro do contribuinte que mora da cobertura pra baixo. Da alta classe média portoalegrense ao ribeirinho do Pará.
Mudar isso deveria ser o coração de qualquer reforma. É como se financiam países menos incivilizados que o nosso: imposto de renda progressivo, impostos mais justos sobre dividendos, herança, fortunas. E impostos cobrados de fato, não só no papel. Não é assim um éden, mas é um começo.
No Brasil fugiu do discurso dominante “brasileiro paga muito imposto”, é logo taxado de chucro, doidivanas etc. Viu a propostinha do Biden? Se Lula bota propõe algo similar é na hora incinerado pelos fundamentalistas do financismo. Imagine a festa, fogueira no canteiro central da Faria Lima, atrapalhando os ciclistas de gravata.
Para termos um país menos injusto que hoje, a nova reforma tributária deveria defender imposto puxado para quem pode pagar e nenhum ou levíssimo sobre a verdadeira “cesta básica”. Que precisa passar a incluir muitos produtos e serviços que hoje não têm os merecidos benefícios.
Como celular, básico para todos, pobres também. O Brasil é o terceiro país que cobra mais imposto sobre a conta, 40,2%. Ou cachaça, 82% vai pros cofres públicos! Esse país leva o cidadão a beber, e depois carca taxa no lazer líquido do trabalhador.
Como no caso da reforma do Ensino Médio, seguimos ouvindo sobre a tributária: melhor uma mudança meia-boca, ou até ruinzinha, do que deixar tudo péssimo como é. Tá todo dia na boca dos especialistas, nas colunas dos economistas, garantida por gente séria e responsável.
Talvez o melhor fosse pular esse papo todo e já batalhar para estabelecer um consenso novo: é imoral taxar o essencial para a sobrevivência humana. Melhor ainda subsidiar, como já fazemos com vacina. Ninguém deve morrer de sede, fome, relento, doença curável ou, aliás, ignorância.
Mas por hoje não compliquemos nossa conversa com utopias. Vamos ficar no arroz e feijão, conforme explicadinho na tabela abaixo, publicada no “Valor Econômico”.
Se implementada, a reforma tributária proposta vai aumentar em quase vinte por cento o imposto sobre… adivinha: arroz e feijão.
Com um adendo: no caso de bebidas alcoólicas, cigarro e outras áreas com imensa taxação, o consumidor paga esse imposto, mas normalmente ele sequer é repassado de fato pro Estado, vira lucro pra indústria, que ou sonega ou simplesmente não paga.
E os BET da vida?