Por quem os juros sobem (e um só porquê)
A economia tem muitos mistérios. A política explica todos
Roberto Campos Neto e Gabriel Galípolo na frente da sede do Banco Central
O juro tem que subir. Não porque a economia cresça ou porque temos pleno emprego.
Cresce e temos. Ainda que cresça mais para gregos que troianos e a maior parte dos empregos seja de péssima qualidade e remuneração.
Não porque tenhamos uma tendênciazinha de crescimento da inflação. E temos, ainda que as causas dessa inflação pouco ou nada tenham origem no aumento da demanda.
Também não subiremos os juros básicos aqui porque os juros sobem mundo afora. Hoje mesmo o juro cairá nos EUA.
Não, o juro tem que subir porque o próximo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, foi indicado por Lula e bancado por Haddad. E um governo do PT tem que provar que é mais ortodoxo em economia que o mais ortodoxo dos conservadores.
Se há risco da inflação subir, é preciso aumentar os juros. Está escrito nas tábuas da lei. Não importam as causas, só tem um remédio. É errado e estúpido, mas é o remédio, como eram antigamente as sanguessugas que matavam os pacientes de inanição.
Roberto Campos Neto, que não só é ortodoxo, mas organicamente parte da classe financista, jamais desviou um milímetro do fundamentalismo. Galípolo passou uns anos no mercado financeiro, Banco Fator. Mas o grosso de sua carreira é na política e na academia. Foi indicado pelo PT. É automaticamente não-confiável pro mercado.
É um velho ditado, de 1972: “only a Nixon could go to China”. Só um anticomunista furibundo poderia abrir o ocidente para o gigante vermelho.
Só um economista ortodoxo poderia ser indicado pelo PT para a presidência do Banco Central sem uma revolta gigante do mercado. E se não é ortodoxo de berço e carteirinha, que aja como um. Você é o que você faz. Quem se importa com motivação é romancista.
Não se trata de exigência da Faria Lima, mas de quem dá as cartas na economia planetária. Na prática, tanto faz quem é presidente de Banco Central, aqui ou em qualquer país do mundo. Ele ou ela estão lá para tomar as mesmas decisões, seguindo as mesmas regras estritas, dentro do mesmo arco diminuto de alternativas.
Nada ilustra tão bem essa realidade quanto “Jogo do Poder”, Adults In The Room, filme inspirado no livro de memórias de Yannis Varoufakis, ex-ministro da Economia da Grécia.
Em determinado momento, 2015, o país realiza um plebiscito em que a maioria dos eleitores decide não aceitar um acordo draconiano que é exigido pela “Troika” (Banco Central Europeu, FMI e Banco Mundial). O poderoso ministro alemão das finanças explode, “mas o que esses gregos estão pensando, não entendem que votar não tem nada a ver com economia?”
Mas então o Brasil está destinado a ter para sempre juros estratosféricos?
Ninguém com dinheiro em caixa tem o menor interesse em que o juro caia. Dez por cento de rendimento ao ano com risco zero, ou até mais, tá bom assim. Quem precisa que o juro caia é quem está pagando juros, não quem está recebendo.
Mas se você faz mesmo questão - bem, é simples fazer o juro cair. Não tem nada a ver com matemática. Aliás tem pouco a ver com economia. Tem tudo a ver com política.
Se governo não cortar gastos tanto quanto e onde o Capital quer, o juro subirá. Ou não cairá.
Subir imposto de rico ou empresa tá proibido. Aumentar a receita não é suficiente. E nem pensar em cortar subsídios, financiamentos ou investimentos que beneficiem o andar de cima.
O juro cairá drasticamente quando Lula parar de reajustar o salário mínimo e os salários dos funcionários públicos. Quando meter o facão nas aposentadorias. Quando aumentar os impostos de quem está no Simples e de todo brasileiro com receita até R$ 5.000 por mês.
São medidas assim que o mercado e seus representantes na imprensa defendem explicitamente. É uma agenda política, de defesa de uma classe e seus privilégios. Nada tem de técnica.
É pouco, falaí. Bom mesmo seria se Lula num passe de mágica suspendesse 100% do Bolsa Família. Aí sim o juro despencava! R$ 168 bilhões na veia!
Se não der pra zerar o Bolsa-Família, que pelo menos o PT não aumente… Pois é o que está acontecendo: o orçamento para 2025 será igual ao de 2024.
São essas as regras, são esses os incentivos. Não é “maldade”. It´s just business - global business. Mas pode chamar de “Capitalismo”.
É o que temos pra hoje. Vira e mexe ouço amigos xingando “faria limers”. É equívoco. Se a gente substituísse esses CEOs de gravata italiana ou bolhas de coletinho-bolha por máquinas, as decisões e resultados seriam idênticos ou quase. Tá na programação do sistema.
Mas Gabriel Galípolo não é Campos Neto. Não foi indicado por uma pústula como Jair Bolsonaro, nem é soldado de Paulo Guedes.
No momento, Gabriel terá que ser talvez mais extremo que Campos Neto, para se provar confiável. Sem marolas, please, que estamos pra entrar na segunda metade do governo Lula.
Mais para frente, poderá quem sabe demonstrar um pensamento econômico mais sofisticado, mais contemporâneo que essa tôsquera que passa por “responsabilidade” nas colunas de opinião e debates da Globo News.
Façamos figa. Enquanto esse dia não chega, que subam os juros. É inevitável e o inevitável precisa ser aceito. Mesmo que seja danoso - e desnecessário.
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A tal da Matrix funciona que é uma beleza - para quem a comanda. Pode parecer simples e é. Dolorosamente simples. A sofisticação fica nas justificativas das razões do sistema assim funcionar... Até a "mão invisível do mercado" evocam... Mas não é nada sobrenatural. É apenas um jogo.