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Millôr, 100 anos e sem herdeiros
A nova geração tem problemas com o gênio. Ele sempre incomodará
Esbarro em um artigo enorme sobre os cem anos do nascimento de Millôr Fernandes. Uma massaroca de besteirol, teorizol, clichezol. Mais uma: é medíocre o tom dominante das comemorações.
Millôr merece muito mais. Foi jornalista, artista gráfico, cartunista, humorista, escritor, dramaturgo, tradutor, editor. Se tivesse feito só uma dessas coisas com a excelência exibida, já ia sem escalas pro nosso Olimpo Tupi.
Foi incrível em todas e prolífico além do compreensível. Um homem da renascença, gênio brasileiríssimo, carioquérrimo e planetário.
Dá pra escrever um livro só sobre seu cartunismo, traço e paleta que conversam simultaneamente com o expressionismo de um George Grosz e os bambas de sua juventude, Saul Steinberg. Outro volume sobre suas traduções de Shakespeare, melhor porta de entrada para o bardo não encontrarás.
Mais um livro sobre suas realizações como editor fundador da Pif-Paf e Pasquim. E mais um e mais outro. Fica a idéia para algum editor empreendedor pronto pra perder dinheiro: Biblioteca Millôr Fernandes.
O Álvaro - olha ele aqui de novo - resumiu bem quando Millôr se foi: "Para minha geração, Millôr e Paulo Francis representavam uma espécie de periscópio, pontificando acima do provincianismo e do isolamento brasileiros.” O texto completo dele está aqui. O parágrafo final é um conforto.
Millôr é ícone gigante da nossa geração e da anterior. Nos fez melhores, tanto seus leitores quanto os que se arvoraram a escrever, desenhar e tal. Somos muitos os influenciados por ele, em graus variados de talento e relevância.
Nenhum à altura do mestre. E nenhum abaixo de uma certa idade, talvez uns 40 anos. Não que eu conheça. Me apresente, se apresente, saber que existes será feliz agulha no palheiro.
Trombar esse texto idiota comprovou a sabedoria de minha já antiga decisão de não ler regularmente nossos cadernos culturais. Faço poucas exceções, a maioria nomes das antigas, Conti, Inácio Araújo, Ruy Castro, Sérgio Augusto - leia aqui ele falando de Millôr. Que humor, que amor.
Há um abismo de qualidade entre essa geração de jornalistas e a minha. Mas crescemos lendo essa turma e também a anterior, onde reinava Millôr. Aspirávamos um dia chegar aos tornozelos deles. Não deu, mas esforço tonifica a musculatura e afina o sangue.
É morno o jovem jornalismo cultural brasileiro em 2023. É difícil encontrar influência das vozes mais independentes, fuçadoras, bocudas da minha geração.
Tudo bem, nunca fomos grande coisa. Mais triste é a escassa influência dos nossos ídolos, como Millôr, que aparentemente até as melhores cabeças formadas no Século 21 têm dificuldade de entender e aceitar. Muito menos festejar.
Faz sentido esperar que Millôr fosse referência para quem veio depois da gente? O abismo geracional é quase intransponível. A travessia tem riscos. Vale a pena.
Talvez antiquado para os evangelhos contemporâneos, Millôr segue atualíssimo em suas recusas. Não seguia líderes, não tinha time, não obedecia as regrinhas e não rezava em igrejinhas.
Sua obra nos estimula a pensar, criar, agir com liberdade. Isso incomodava e incomoda. Como ele mesmo dizia, também não foi livre, mas poucos chegaram tão perto. E como liberdade sempre incomodará, Millôr nunca nos deixará em paz.
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Millôr, 100 anos e sem herdeiros
Com certeza o Brasil carece de memórias de homens, que fizeram a diferença.
O livro que mudou minha vida foi 30 anos de mim mesmo. Foi o mais perto que eu cheguei da verdadeira genialidade,