A Folha de S. Paulo está relançando o Folhateen, caderno pra adolescentes que marcou época. Tem matéria aqui explicando, pra quem viveu tudo aquilo e pra quem nasceu depois.
Saí da Bizz e voltei pra Folha pra ser o primeiro editor, 32 anos atrás. Eu tinha 25.
O Folhateen teve umas edições antes de eu assumir, acho que duas, meio ainda misturado com o caderno pra vestibular do jornal, o Fovest. Antes de chegar, escrevi e enviei pra Suzana Singer, mãe da criança, este rascunhão abaixo do que imaginava que o caderno poderia ser. Foi muito mais e durou muito mais que podíamos sonhar. Obra de muita, muita gente boa que veio depois, de 1991 a 2011 - repórteres, ilustradores, fotógrafos, colunistas. O Teen informou e inspirou muitos jovens jornalistas pelo Brasil afora. Pra não falar de muitos leitores. Fez história. Fez até política.
Naquele time do Folhateen, conheci duas pessoas sensacionais, Célia Almudena e Marcelo Rubens Paiva. Fiquei uns meses, saí, tive uma coluninha sobre música depois no caderno.
Porque saí? Percebi rápido que não tinha vocação pra chefete na Folha ou saco pros chefões da Folha. A Bizz fez boa proposta pra voltar, voltei. Minha vocação era mesmo editar revista, o que fiz por décadas.
Muito mudou. O desafio muito maior hoje; o jovem de 2023 é muitíssimo mais diverso. É mais bem-informado e assediado pela informação que o de 1991.
Agora o Folhateen é 100% digital, como convém. O projeto abaixo enviei em print pra Suzana, entregue por motoqueiro. Impressora matricial, tenho cópia em algum lugar. Não existia e-mail em 1991…
Boa sorte pra nova editora, Marcella Franco, que tem tudo pra fazer um grande trabalho e conta seus planos neste vídeo. Vida longa ao novo Folhateen!
De: André Forastieri
Para: Suzana Singer
Assunto: Folhateen
22/02/91
Suzana, desde que pintou a proposta pra ir para aí que eu ando escarafunchando meu cérebro e pesquisando tantas revistas de adolescente quanto possível, de Surfer e Sky e Spin a Capricho, Carícia e Animal.
Acho que cheguei a um mix interessante para o Folhateen, uma combinação de artes, serviços e futilidades que periga dar samba, i.e., ter leitura.
Isso, veja bem, não é o meu projeto para o Folhateen: é só um rascunho, que pode e deve ser discutido, repensado ou até mesmo jogado fora (em partes). Aceito sugestões e exijo sua opinião – afinal, foi você que me jogou nessa.
Antes de mais nada, acho que o Folhateen está com textos grandes demais, moleques de dezesseis anos não têm saco para ler muito a não ser que o texto seja uma delícia, e olhe lá. Até os dropes estão grandes! Acho que texto maior que quarenta linhas, só se Jesus voltar para a Terra.
O negócio do Folhateen é fazer o que o Estadão diz que a Folha faz (mas não faz ainda), jornalismo fast-food – porradas de boxes, tabelas, subs, artes, dropes por todos os lados, legendinhas espertas, frases espalhadas, o catso. Fast food news para a geração Big Mac, só que com carne de primeira e queijo Roquefort (baixou o poeta).
CAPA
Pouco a modificar estruturalmente. Minhas duas únicas sugestões são colocar sempre que possível uma enquete entre a molecada a respeito do tema da capa; e transformar a tirinha que fica no lugar do side numa espécie de miniagenda teen da semana, só com as coisas imperdíveis que vão rolar – um campeonato de asa delta, um programão na TV, um superfilme que estréia, o show do Living Colour, whatever.
Quanto a pautas, bem: existem as de serviço, as ousadas, as de comportamento e as de artes-esportes-futilidades. O ideal é misturar tudo.
Por exemplo: uma capa sobre aborto deve citar números, dizer qual é a legislação no Brasil e no mundo, falar com gente que fez, ir a um aborteiro, citar os métodos mais seguros de contracepção, dar voz a especialistas e, ufa, falar de gente famosa que fez aborto (Whoopi Goldberg e Greta Garbo, entre outras) – além, claro, de ter um gancho quentinho, um número novo da OMS, por exemplo. Talvez até uma “Cronologia do Aborto”, desde os antigamentes até hoje.
O negócio é sempre dar algo que está rolando. Pauta é o que não falta, afinal.
MIOLO
Aí é que a porca torce seu dileto rabinho, porque pensei em coisas demais e não sei se tem espaço para tudo, aliás, sei que não tem. Por isso, vou só te contar minhas idéias e depois um diagramador brilhante vê o que faz com o que restar depois de você limar metade e me falar que eu estou alucinando.
- “Folhateen Recomenda”: três livros, três discos, três filmes e três vídeos que a redação recomenda. Só o nome, seguido de uma frase. Vai mudando conforme saem os novos lançamentos.
Exemplo: Remasters, Led Zeppelin. O álbum triplo traz o melhor da maior banda de heavy metal de todos os tempos, especialmente remixado pelo guitarrista do Led, Jimmy Page.
- “Monitor”: uma espécie de “Painel” do Folhateen. Inclui:
Um flash rápido de notícias mais hard (mas não menos próximas do público giovane) do “Brasil” e outro do mundo (rápido mesmo, tipo um módulo 100 cada um). Podem ser editadas como dropes.
Algumas frases da semana (sugiro “Pé de Ouvido”, ou será que é muito retrô?);
“Figura”, uma foto-perfilzinho de alguém que apareceu naquela semana por alguma razão;
“Bronca”, tradicional;
e “Gangorra”, uma listinha de gente ou coisas que subiram e desceram naquela semana.
Além disso, “Monitor” deve incluir (ou pode ser editado perto de) uma seção de opinião, um texto assinado cada semana por uma pessoa diferente sobre um tema quente ou simplesmente muito interessante.
Sugiro o nome “Papo-Cabeça”. A seção deve ser editada com um boneco simpático do autor e, a-há!, está aberto para os leitores.
Talvez a seção de cartas deva ficar perto do “Monitor”, o que criaria um problema em relação à atual localização das “Parabólicas”. Sei lá. Discutamos a respeito.
- “Via Satélite” ou “Mondo Mídia”: a versão Folhateen do “Multimídia”. Os principais assuntos da mídia jovem do primeiro mundo.
Subseção: “Vem Aí”, com os discos e projetos e filmes que estão sendo planejados, tipo “Robin Williams será Peter Pan no novo filme de Spielberg, Hook, uma superprodução de US$ 45 milhões”.
Sacou? Vários dropezinhos do gênero mais gringos, tirados da mídia internationale.
Podemos pensar em acompanhar essa seção de uma carta internacional, talvez em rodízio; Ana Maria Bahiana e Fernando Gabeira cairiam como uma luva no caderno, e acho que eles topariam.
- Novas retrancas. É preciso bolar um esquema rotativo destas seções, porque o espaço é limitado.
Algumas iriam nas “Parabólicas”, outras não. “Rádio” é obrigatória, o público das FMs é cem por cento teen. Novidades etc. Acho que “Noite” também é obrigatória. Ela abordaria os melhores lugares para ir, novas casas noturnas com algum diferencial x ou y etc.
Caso a retranca fosse se tornar periódica – mensal, digamos – tenho duas idéias para ela ficar mais completa.
Primeiro, duas pessoas, uma famosa e outra não, dizem onde vão à noite e por quê. Secondo, a seção poderia vir acompanhada da parada do DMC-Brasil, ou seja, as músicas mais tocadas nas casas noturnas do país, de barzinhos a discoteconas.
“Esportes”. Chamar de esportes de ação periga cair mal, muita gente não gosta do termo. Mas o assunto é esse, skate-surf-aeróbica-kart-mergulho-etc. Não sei se tem alguém na equipe do Folhateen que saque destas coisas; se não, conheço uma garota na Trip que seguraria a onda como frila.
“Games”. Ainda saem coisas sobre videogames na “Informática”? Se não, a Folhateen deve dar – lançamentos, estratégias etc. Cobre também máquinas legais e/ou diferentes de fliperamas, jogos clássicos (Space Invaders etc.).
“Eco”: Ecologia e meio-ambiente, como reciclar, avanços da ciência, movimentos verdes em geral (como participar) etc.
“Em Forma”: Tudo que disser respeito à saúde e fitness, o que eu pessoalmente acho um saco, mas é uma das neuras centrais da garotada de hoje. Pode ser sub de “Esportes”.
“Túnel do Tempo”. Alguém famoso numa foto de quando era adolescente, talvez comentada pelo próprio. Não semanal, para não ocupar muito espaço.
- Na seção de Educação, não tenho muito o que acrescentar. Minhas principais sugestões são técnicas – menos texto, mais boxes-quadros-listas-artes.
Acho “Redação” jóia, pode ter mais dicas de como escrever bem, que escritores servem como bons mestres etc.
“Poesia” acho um pouco limitante, porque coloca de lado prosistas (proseadores? Checar Aurélio). Sugiro “Poesia & Prosa”, e já tenho uma listinha legal que vai de Shakespeare e Erasmo de Rotterdam a Walt Whitman e Stephen Spender, mais Melville, Chandler, Lilian Hellmann, Oscar Wilde – todos na linha individualista-rebelde.
“Frila” é uma grande sacada. Pode incluir a seção-irmã “Grana”, dando um toque do que fazer para gastar bem ou até investir a grana do frila.
“Século 21”: novidades da ciência, com ênfase para aquelas que se ligam ao cotidiano.
CONTRACAPA
Gostaria de ligar a seção de consumo ao perfil, quando possível. Exemplo: vou fazer um perfil do Jim Morrison, enganchado no filme “Doors” do Oliver Stone. “Consumo” poderia ter discos dos Doors, pôsteres, vídeos, mais botinhas-roupas-colarzinhos-sunglasses como os do Morrison.
“Perfil”, é claro, tem que estar tão ligada quanto possível ao que está rolando, e se meter ao máximo na vida do entrevistado (quando for entrevista, o que espero que seja comum).
Além do Morrison, pensei em Stan Lee (a Marvel faz 30 anos em agosto), Danny Elfman (do Oingo Boingo), Axl Rose (no LP novo), Renato Russo, Humberto Gessinger (fazer o quê?), Bono Vox, Roger Corman, Kevin Costner, Frank Miller, Boris Becker, Maurício Gugielmin, William Shakespeare (quando estrear o Hamlet do Mel Gibson), Roberto Carlos (pela ótica da Jovem Guarda), Vanilla Ice (gancho para o estouro do rap), Naomi Campbell, Edgar Allan Poe, Johnny Depp, Annette Funnicello (da “Turma da Praia”), Isaac Asimov, Rita Lee, Zeca Camargo (que está virando popstar, e acho que não é porque ele é colaborador e ex-funcionário da Folha que isso deve ser ignorado) – qualquer herói do momento ou figurão do passado que esteja com um pé no presente naquele momento.
Talvez seja o caso de pegar também políticos tipo Suplicy, Walter Feldmann e verdes-liberalóides quetais. Pô, gente é o que não falta.
Por enquanto é só. Assim que pensar em mais bobagens, te aviso. Beijo
FORASTA
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