Morreu Henry Kissinger, rico e festejado, aos cem anos. Chovem homenagens de líderes mundiais e intelligentsia mainstream. Era um bosta e sobram provas.
Christopher Hitchens eviscerou o criminoso de guerra número um dos EUA em “O Julgamento de Kissinger”, que você pode comprar por dez reais aqui. Li uns pedaços, nunca inteiro. Fiz igual com seus livros esculhambando Madre Tereza de Calcutá e Deus. Tenho opinião bem formada sobre os pecados dos três personagens. Tristemente não há inferno para Kissinger passar lá a eternidade, expurgando seus infinitos crimes.
A influência de Kissinger segue poderosa e nociva. Vivemos sob sua sombra, especialmente no terceiro mundo. Jamais terá perdão - não que isso ajude suas vítimas em alguma coisa.
A antologia “The Quotable Hitchens” coleciona algumas citações inspiradas de Hitch sobre Kissinger.
Hitchens brindaria à autópsia conduzida por Spencer Ackerman em seu obituário do vilão, publicado na Rolling Stone. Porque Spencer não caricatura Kissinger como monstro, mesmo evidenciando seu mau-caráter, mentiras e subserviência abjeta.
O ponto de Ackerman é que Kissinger foi e é útil. Era a personificação pura do pragmatismo excepcionalista, onde crueldade sem limites se justifica pela boa taxa de retorno sobre o investimento. Especialmente quando as vítimas não são “gente como a gente”, latinos, africanos, árabes, asiáticos, escurinhos em geral.
Spencer é um premiado e combativo jornalista e autor americano, com passagens por Wired, Daily Beast, Guardian e mais. O texto está na íntegra aqui. Spencer tem uma newsletter no Substack, “Forever Wars”, e você pode assinar aqui.
Alguns trechos, rapidamente pinçados e traduzidos:
“Todas as pessoas que morreram no Vietnam entre o outono de 1968 e a queda de Saigon – e todas as que morreram no Laos e no Camboja, onde Nixon e Kissinger expandiram secretamente a guerra poucos meses após tomarem posse, bem como todas as que morreram na sequência, tal como o genocídio cambojano, a sua desestabilização foi desencadeada – morreram por causa de Henry Kissinger.”
No Chile, Kissinger ajudou a construir um modelo para o mundo em que vivemos atualmente. “Henry via Allende como uma ameaça muito mais séria do que Castro”, disse Morris, funcionário de Kissinger, a Seymour Hersh. “Allende foi um exemplo vivo de reforma social democrática na América Latina.” Kissinger e a CIA decidiram derrubar Allende poucos dias após a eleição de Allende.
As câmaras de tortura de Pinochet foram a maternidade do neoliberalismo, um bebê parido por Kissinger, sangrento e gritando. Esta foi a “ordem mundial justa e liberal” , que Hillary Clinton considerou a grande obra da vida de Kissinger.
Kissinger não foi menos fundamental na expansão das fronteiras onde o poder militar americano poderia operar. Descobriu-se que o bombardeamento secreto do Camboja e do Laos, que durou anos, representou um modelo.
O consenso Cambridge-Washington não estava preparado em 1970 para aceitar que os EUA tinham o direito de destruir o “porto seguro” de um grupo inimigo num país com qual não estava em guerra. Nem fazer isso em segredo, protegendo assim uma guerra do escrutínio público.
Depois do 11 de Setembro, essas premissas foram aceitas, e se tornaram pilares fundamentais de uma Guerra ao Terror que permitiu a quatro presidentes bombardear, durante 20 anos, paquistaneses, iemenitas, somalis, líbios, sírios e outros.
O homem que reposicionou a política externa dos EUA como uma barreira entre a Rússia e a China viveu o suficiente para ver a Declaração de 4 de Fevereiro unindo Moscou e Pequim. As forças reacionárias que ele incentivou a nível interno e externo estão provando ao mundo que a ordem internacional baseada em regras tem tudo a ver com o capitalismo e não com a democracia.
Nem uma só vez, no meio século que se seguiu à saída de Kissinger do poder, os milhões que os Estados Unidos mataram tiveram importância para a sua reputação, exceto para confirmar uma crueldade que os especialistas às vezes consideram excitante. A América, como qualquer império, defende os seus assassinos de Estado.”
Henry Kissinger recriou a política internacional em benefício do império e seus acólitos, uma côrte de criminosos. Por eles foi e é festejado. Seguem por aí, perpetuando o mundo que ele tanto ajudou a construir, e faturando firme. Roguemos a praga: que não tenham a morte tranquila de Henry Kissinger.
Para você ver o nível de companherismo da criatura, Xi Jinping elogiou ele.
Good ridance indeed.
Uma triste figura este senhor da guerra...