Histórias iluminadas para contar no escuro
Estrelando um filho pequeno que cresceu - e Ray Bradbury
“Há mais de uma maneira de queimar um livro, e o mundo está cheio de gente com fósforos acesos.”
Tomás achou estranhíssimo a luz apagar no meio de “Ben 10 - Força Alienígena”.
Expliquei para ele que quando papai era pequeno, era comum faltar luz de vez em quando. E que antigamente as pessoas ainda não tinham inventado a eletricidade. Todo mundo ia dormir assim que o sol se punha, ora vejam só!
Repeti o que sempre repetia quando ele me dizia que tinha medo do escuro. “O que tem no escuro?” A mesma coisa que tem no claro, menos uma coisa: fótons.
O que você faz quando acaba a energia? Vai para a cozinha e acende todas as bocas do fogão. Só que meu fogão tem acendimento automático, portanto elétrico.
O milagrinho um foi que tinha uma caixa de fósforos dando sopa por perto do fogão. O milagrinho dois é que tinha uma caixa de velas completa no armarinho da cozinha, que eu não fazia ideia que a gente tinha em casa, e muito menos que estava lá.
Então Tomás e eu ficamos nos divertindo, acendendo velas e colocando em pratos e xícaras de café com leite. Entre as velas e um abajurzinho à pilha que eu tenho do lado da cama, deu para ir agitando o jantar.
Esquentei um chile com carne, botei a salada com guacamole na mesa. Fiz uma margarita para combinar e me instalei no sofá com Tomás, bebericando. E ele falou pai, me conta uma lenda?
Porque eu raramente contava histórias pra ele. Eu contava lendas.
Contei que na época dos gregos antigos, as pessoas acreditavam que um deus chamado Apollo trazia o sol todo dia de manhã em uma carruagem, tipo uma biga. As pessoas não sabiam que o Sol era uma bola de fogo gigante no espaço.
Expliquei que o Apollo é um dos meus deuses favoritos, que era o deus da música, da harmonia e da medicina. Que os gregos também chamavam o Apollo de Helios, e por isso tem um gás que foi batizado de Hélio, que compõe mais ou menos um quarto do Sol, e por isso até hoje tem gente que chama Hélio.
Depois meu amor chegou, o moleque apagou no sofá e jantamos à luz de velas. Romântico! Mas durou pouco. Tomás acordou e veio logo para o meu colo, me catucando e pentelhando para jogar seu Sonic.
Naquele dia, Tomás não estava exatamente nervoso, mas ficou um pouco apreensivo. Achei ótimo. Lembrei daquele conto do Ray Bradbury do livro “E de Espaço”. Foi o primeiro livro que li dele. Tá aqui do lado a minha edição, de 1978.
“Pilar de Fogo” é um conto, que depois ele transformou em uma peça. O defunto acorda no futuro e sai da tumba. Caminhando pela noite sem destino, encontra um grupo de crianças brincando numa rua sem iluminação. Pergunta, vocês não têm medo? Elas, do quê? O morto-vivo pergunta se eles nunca ouviram falar de monstros, e elas “não”.
Aí ele entra em uma biblioteca. Procura livros de Edgar Allan Poe, nem H.P. Lovecraft, mas não há. Não existem livros assustadores nas estantes. Ele pensa, que porcaria de mundo do futuro era aquele em que o terror tinha sido banido e as crianças não tinham medo do escuro?
Não ter medo do escuro é falta de imaginação. O escuro é o pai das histórias.
Quando o sol se punha, os homens e mulheres se reuniam em volta das fogueiras. Para quê? Para contar histórias. E história boa sempre tem um suspense, uma tensão, um medinho no meio.
Ray escreveu muitas histórias que se passam no escuro. Eu recomendo que você leia todas.
(O texto acima é de 2009, quando meu filho tinha cinco anos. Publico porque o pessoal do grupo Homework lembrou que ontem foi aniversário da morte de Ray. Lembrei daquela foto lá no alto, com Ray e Kurt Vonnegut. Andei lendo os livros do Vonnegut que nunca tinha lido. Faltam poucos.
Adoro essa foto da mesa de trabalho de Ray, cercada de livros. Abençoadamente, também trabalho cercado de milhares de livros, quadrinhos, revistas, publicações variadas.
Pensei nas felizardas novas gerações e suas relações com as histórias e livros. Em como absorvem informação e formam suas opiniões. Lembro de de outro trecho de “Pilar de Fogo”:
“Talvez todos os livros hoje estivessem na forma de filmes tridimensionais… mas como diabos se poderia fazer um filme de Sócrates, Schopenhauer, Nietzsche e Freud?”
E penso que felizardo sou de ter um filho que sabe quem são esses caras - e lê esses e outros e outras.
Mergulhe na vida e obra de Ray, no seu site oficial.
Nove coisas que você vai gostar de saber sobre Ray Bradbury:
https://www.mentalfloss.com/article/52385/10-things-you-should-know-about-ray-bradbury
Uma homenagem bacana do também escritor J.M. DeMatteis ao seu autor favorito:
http://www.jmdematteis.com/2018/08/today-is-ray-bradburys-birthday.html
Sabe porque livros como os do Ray Bradbury são importantes? Ray explica - na voz de Meryl Streep.
Pra fechar, Ray em HQ que acabei de descobrir que existe, fazendo uma simples busca no celular.
Eu sou muito feliz de ter chegado ao futuro.
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"Não ter medo do escuro é falta de imaginação. O escuro é o pai das histórias.
Quando o sol se punha, os homens e mulheres se reuniam em volta das fogueiras. Para quê? Para contar histórias. E história boa sempre tem um suspense, uma tensão, um medinho no meio."
O escuro pede luz e convivência. Também mais escuro, solidão, sossego.
Já estou maquinando aqui uns escritos para gente pequena e grande... Aliás, lembrei-me da lenda do pássaro-de-fogo, que criei...
||(...) virei um pássaro-de-fogo, subi até o céu e pude conhecer uma famosa corredeira do rio Madeira, que ficava bem longe de casa! Lembro-me como se fosse hoje...
Minha poronga não me transformava apenas em pássaro-de-fogo. Ela também podia me fazer viajar ao passado e ao futuro.
Numa daquelas noites, eu e meu pai havíamos nos transformado em pássaro-de-fogo. Ele foi para o passado, com saudade do seu tempo de criança e eu para o futuro. ||