Como vencer a batalha pelo Clima (parte 1)
Trago más e boas notícias. E um favor pra te pedir
Nos últimos cem mil anos, os sete dias mais quentes foram de 4 a 10 de julho de 2023. Este recorde será quebrado muitas vezes nas próximas semanas. E meses. E anos.
Qual o problema? Para ficar no noticiário recente podem ser os ciclones no sul do Brasil, as inundações na Índia ou a fome que se expande na África.
É tristemente raro encontrar nas reportagens sobre estes “desastres naturais” sua origem nos dividendos igualmente recordes das indústria petroleira. Vamos então nos concentrar em um problema muito concreto: a morte.
E a uma região rica, área em tese bem protegida de grandes hecatombes “naturais”: a Europa. Pois bem: a onda de calor do verão de 2022 matou 61 mil pessoas na Europa.
O verão 2023 promete. A foto acima é do dia 18 de julho, fogo incontrolável em Portugal, em uma vila chamada… Memória.
Que tal uma temperatura de 60 graus, como vemos esses dias na Espanha?
Não é só lá. Não é isolado. Os dados estão aí: 2023 é incrivelmente mais quente do que anos muito recentes.
A razão principal é o aumento das emissões. Todo esse marketol de “transição energética” não fez nem fará cócegas no problema.
Não há dúvida que alguns ganharão bom dinheiro com renováveis. Eles passaram a fazer parte obrigatória do cardápio corp e descolam seus subsídios. Mas são proporção tão ridícula do total do investimento em energia, que nem pra enxugar gelo ajuda.
O que vem aumentando brutalmente são os investimentos em combustível fóssil, assim como os subsídios estatais pra óleo, carvão e gás “natural”. Sem contar os subsídios indiretos, para - por exemplo - automóveis. E nem vamos falar dos subsídios à pecuária, responsável por gigantesca fatia do metano.
No Brasil? O atual presidente da Petrobras promete explorar petróleo até a próxima gota.
Com discursinho mais esverdeado ou assumidamente negacionista, o fato é que não está vindo alívio das grandes corporações de energia e seus funcionários na política. Desse mato não sai cachorro.
O aumento do calor tem consequências previsíveis. Seca e inundação e fome e migração. Exinção de espécies em massa. Sofrimento e morte à beça de seres humanos, principalmente nas regiões mais pobres do planeta. Assista aí “Our Planet II” e logo no primeiro episódio o David Attenborough diz que em dez anos o Ártico não vai ter gelo no verão.
Mas não só os pobres vão pagar. Está aí a Europa queimando. Nos EUA, muitas seguradoras não aceitam mais fazer apólices de propriedades em certas regiões que sofrem grande perigo de incêndio, ou à beira-mar - inclusive mansões em bairros nobres. Na Flórida, o custo médio do seguro residencial já é quatro vezes maior que a média nacional.
Outras consequências são mais difíceis de projetar, de incluir nos cenários. O sistema climático planetário é todo interligado. O improvável está se materializando com frequência assustadora.
Por exemplo: era muito pouco provável esse nível de aquecimento do oceano atlântico que estamos verificando hoje. Qual será a consequência disso? Grave na certa - mas não dá pra cravar as proporções.
O que fazer? Não tem caminho fora eliminar combustível fóssil. Não existe. Ponto. Não há debate científico a respeito.
Eliminar? É. Se diminuir 50% não tá bom? Não, tá uma merda.
Quando? 2050? Não, ontem.
Ei, não encrenque comigo. Não é radicalismo. É o que o consenso científico diz. Estou só retransmitindo as más notícias. Agora, as boas.
Dá pra fazer tecnicamente? Precisamos inventar novas tecnologias incríveis? Não, já tem tecnologia à beça, não precisa inventar nada. O que tá aí e estará em anos próximos dá conta facinho.
As alternativas renováveis são boas mesmo, ou também têm seus problemas? Têm sim, e somando todos os problemas de todas não dá 1% do problema causado pelo combustível fóssil.
Mas você dá dar um breque repentino no petróleo, carvão e gás? Não causaria miséria e instabilidade ainda maiores?
E, aliás, está no horizonte das possibilidades fazer uma mudança dessa magnitude, ou é só papo doido de porra-louca?
Não é “a humanidade” que está ferrando com o clima. É meia dúzia de empresas gigantes que fazem isso porque é assim que garantem dividendos polpudos para seus acionistas. Não é pessoal, é just business.
A escravidão é bom parâmetro. A escravidão foi parte indispensável da “economia” da humanidade das cavernas até outro dia. Era “natural”. Como foi o direito divino dos reis e hoje é o capitalismo, nas palavras de Ursula K. LeGuin.
Foi necessário só um século, o 19, para que fosse extinta do planeta. Se derrotamos a escravidão que tanto durou, é possível acabar com o domínio do Capitalismo Fóssil, que tem pouco mais de cem anos.
“Derrotamos”? Espera aí, quem derrotou? E como elas e eles conseguiram fazer o impossível?
“Como” e “quem” será assunto para muitos amanhãs. Começo amanhã.
POSSO TE PEDIR UM FAVOR?
Se você puder espalhar meus bilhetes desta newsletter para pessoas que você julga que curtirão, agradeço. Mas agradeço especialmente se fizeres isso com os textos sobre a Emergência Climática.
É assunto crucial. Escondido sob muitas camadas de desconversa na imprensa tradicional. Frequentemente incompreendido ou subvalorizado no debate progressista.
Muita gente inteligente e informada foge do tema, porque abominável e apocalíptico. Talvez estejas neste time, dos que reconhecem o gigantismo do problema, e justamente por isso desviam o olhar.
Felizmente, a História está repleta de conquistas sociais enormes arrancadas das garras da impossibilidade prática. Despretensiosamente, irei publicando aqui de vez em quando idéias e iniciativas que tentam desatar esse nó.
A inspiração é Alexandre da Macedônia. Ao encontrar um nó impossível, use métodos que ninguém usou antes; use sua imaginação.
Vamos dar asas à ela, então. É o pouco que tenho pra colaborar: fazer o pouco que sei e usar a pouca voz que tenho. Se você somar a sua, ajuda.
Eu gostaria muito, mas muito mesmo, que o bicho homem resolvesse um problema que fosse, e que a solução não estivesse baseada em destruição. Não sei se verei isso na minha vida, nem em outras.
Por falar em Alexandre, leia "A invenção da Natureza", biografia de Alexander von Humboldt, o primeiro a perceber que tá tudo interligado na Natureza. Ação, reação e consequências.