Pra fechar a temporada de republicação de textos meus da pré-história, todos sobre a música, aqui está um cometido para Folha. Foi pra minha coluna no Folhateen. Os anteriores foram para a Bizz, em 2007. Este é de 1995.
Este na verdade é mais sobre ser jornalista, em geral. Sobre escrever, sobre ser um jornalista - um sujeito? - independente. Também sobre saber a hora de pegar o seu banquinho e sair de mansinho.
Para ilustrar o post, muito melhor que uma foto minha da época - acho que nem tenho - é uma foto dos dois críticos de rock mais cool da história.
São Tony Parsons e Julie Burchill, que chegaram adolescentes chutando o pau no “New Musical Express”. O classificado que eles responderam pra conseguir o emprego está abaixo.
Jornalismo musical pode viver só com duas regrinhas básicas
ANDRÉ FORASTIERI
Especial para Folha
29/05/1995
Sei que um monte de gente que lê esta coluna trabalha na área musical. Não só músicos, mas também gente de gravadora, de rádio, de casa noturna, de TV e tal. E sei que tem um monte de gente que lê esta coluna e gostaria de trabalhar na área musical.
Sei mais ou menos o que fazer para conseguir se descolar em rádio, gravadora etc. Agora, o que sei direitinho é como trabalhar na minha área, jornalismo, e, especificamente, jornalismo musical (que na verdade só ocupa uns 15% do meu tempo atualmente).
Se você quer entrar no mundo glamuroso do jornalismo musical, preste atenção. Tenho só duas regrinhas simples.
Regra número um: tem que saber escrever.
Não adianta gostar de um monte de música ou tocar direitinho o solo de Steve Howe em “Gates of Delirium”, se você não sabe escrever.
Saber escrever depende de você conhecer português e a técnica básica de jornalismo (que é baba). Ter um mínimo de cultura geral, que vá um pouco além da discografia dos Smiths, também não atrapalha em nada.
Repare, saber escrever não é ter um grande estilo, pessoal e intransferível. O estilo é uma coisa que nasce das imitações baratas que a gente faz dos textos que a gente admira. Eventualmente, isso vai se misturando com o que a gente é, e sendo filtrado pelos lugares onde você trabalha.
Eu, por exemplo, escrevo direto e rápido, porque aprendi o ofício em jornal. Depois trabalhei em revista e soltei a franga no coloquial e na conversa mole.
Ninguém me tira da cabeça que um bom texto sobre rock tem que ser parecido com o papo que você tem com os amigos no bar, depois de um show. Tem gente que teve formações diferentes. Daí, escreve diferente.
Saber escrever também não tem a ver com ter uma opinião. Opinião todo mundo tem e não vale picas. Você precisa ter uma opinião e saber expô-la de maneira que outras pessoas queiram pagar para conhecê-la.
Regra número dois: você não pode ter medo.
Nem de meter a cara, nem medo de trabalhar. A maioria das pessoas que eu conheço, que vivem de escrever sobre essas coisas pop começou metendo a cara.
Não tem editor que dispense um bom texto. Mas antes é preciso você fazer o editor ler o seu texto, e editores são pessoas ocupadas. Mete o pé na porta. O máximo que pode acontecer é você levar um não.
Medo de trabalho também é desemprego na certa. Jornalista trabalha pra caramba. Não tem fim-de-semana, hora para sair ou para entrar. Tem um mundo de coisa de fazer o tempo inteiro. E como epílogo, lembro que ter um pouco de caráter também nunca atrapalhou ninguém.
Como você vê, não é tão complicado assim trabalhar na imprensa musical. O que você ganha com isso?
Não muito. Você entra em show sem pagar e ganha montes de CDs. Viaja a trabalho para entrevistar uns e outros. É convidado para festas e lançamentos de discos. E, claro, conhece um monte de artistas. Às vezes, até fica amigo de um monte de artistas.
Se isso acontecer, está na hora de pedir demissão e mudar de carreira. Ninguém tem coragem de falar mal dos amigos. Ou, invertendo, não tem carreira que valha a perda de um amigo de verdade.
A grana também pega. Tirando meia dúzia de grandes veículos, o salário na imprensa é uma bobagem. Se o teu negócio é ganhar dinheiro a sério, vale mais a pena fazer dez outras coisas, do que ser jornalista.
E lembre-se que escrever sobre rock não é exatamente uma carreira. Tem poucas coisas mais rídiculas do que um velhote pai de família que vive de escrever sobre a nova bandinha que despontou nos confins do Missouri. Por isso, os jornais e revistas costuma ter o bom senso de substituir críticos coroas por garotos cheios de gás. Como, talvez, você.
ANDRÉ FORASTIERI, 29, é editor da revista “General”
vc tinha 29 quando escreveu isso?