A ultra direita vai sempre ganhar
Ou não. Depende de até quando aceitaremos a Esquerda Possibilista
No bombardeio de análises sobre a vitória de Milei na Argentina, um despretensioso fio no Twitter foi um pouco além. É do Julio César Vellozo, historiador e professor.
Nunca ouvi esse termo que ele usou, “esquerda possibilista”, mas já conhecia o conceito melancólico.
É a esquerda que se limita ao possível, dentro de limites bem demarcados pelo consenso dominante. Sua proposta central é gerenciar a carência.
Dá engulhos desde a onda do Orçamento Participativo. Que botava a população carente pra escolher entre construir creche ou posto de saúde.
Que tal botar o povo pra decidir o que fazer com o conjunto do orçamento, e aliás sobre como aumentá-lo e quem deve pagar por isso?
Hmm, muito radical. Não é o momento…
A esquerda que interessa incendeia a imaginação. Propõe mudanças profundas, eletrizantes. Defende democratizar a abundância, que já existe e hoje está represada na mão de poucos. Quer resolver os desafios da liberdade com mais liberdade, nunca menos.
Maio de 68 segue embriagante. Sejamos razoáveis, exijamos o impossível!
Mas a gente vai aceitando menos, sempre menos da esquerda. Porque a alternativa é esse extremismo furibundo, messiânico, moralista, negacionista.
Eu aceito e já nem tampo tanto o nariz. Fiquei assim, ficamos assim. Contra os brucutus, voto em qualquer um e depois nem cobro grandes coisas, porque já não esperava grandes coisas mesmo.
E aí a ultra direita vai lá, promete o impossível, alimenta o sonho, mexe com as entranhas do eleitor - e vence.
Vitória eterna? Talvez não.
Tomei a liberdade de juntar os tweets do Julio em um bloco só, que publico abaixo, porque merece ser lido inteiro e de uma vez só.
Se curtir, espalhe. E siga o Julio.
Julio César Vellozo 🐊
Nov 20 • 15 tweets • 3 min read
Posso estar errado, mas penso que a tendência, a inércia, é sempre a vitória da ultradireita.
Morreu a esfera pública nascida com a Revolução Francesa, baseada em panfletos, jornais, parlamento, clubes, partidos, passeatas, petições, abaixo-assinados. Nasceu uma nova trazendo consigo uma nova gramática política inteira. É a gramatica deles.
Morreu o tempo da política que tinha como centro a crítica, nasceu o da política que tem como centro a performance-denuncia.
Como a tendência é sempre a vitória deles, para contê-los é preciso gritar “Emergência! Emergência!”
Na emergência juntamos tudo, banqueiros e bancários, China e Estados Unidos, Lex Luthor e super-homem. E está certo fazer isso, não há outra saída diante da blitzkrieg.
Qual o problema? Num mundo em crise, onde, ao menos no ocidente, o que impera é a escassez e a desesperança, eles têm a bandeira da mudança, nós a da continuidade.
Fico besta com quem diz que Milei não apresentou nenhuma proposta. Gente, quem não apresentou fomos nós.
O conversê de Massa, um peronista de jaquetinha da XP, só é proposta pra gente. Milei propôs destruir tudo. E mais: ele é um programa, com seu cabelo, seu histrionismo.
A loucura? Soa como uma garantia de que ele é louco o suficiente para chegar lá e não se dobrar. O programa eleito é justamente este. Ir lá e destruir tudo.
Enquanto o programa deles propõe o impossível, o nosso é o programa deixa como está pra ver como é que fica; o programa “na dúvida não ultrapasse”. Ótimo pra quem vê as coisas de um bar na Santa Cecília, mas sem sentido pra muita gente.
A ausência de uma esquerda que rejeite este mundo, a hegemonia quase absoluta de uma esquerda possibilista, dá ao lado de lá o monopólio da garra crítica. Vejam que onde isso não acontece a vida da direita é mais difícil.
Não tenho muita certeza se o caos econômico que virá na Argentina provocará grande desgaste do sujeito.
Caos já há.
E eu abandonaria a ideia de que as pessoas votam com o estômago, com o interesse material à frente.
Quem votou em Bolsonaro achava que ele melhoraria a economia? Não acho, sinceramente.
É hora de admitir que o voto de princípios, ideológico, digamos assim, não é monopólio da classe média cult.
Como Mussolini fez em relação aos socialistas, eles produziram uma espécie de emulação dos sonhos da esquerda. Ao invés de dispensar as massas da participação direta e apostar na representação, a la o liberalismo da “democracia dos modernos”, eles convocaram as pessoas para viverem os gozos da política, os divertimentos que este “jogo envolvente” tem.
Transformaram vidas pobres materialmente em vidas ricas em pulsões, violência, ódio. Deram a essas pessoas o prazer de caminhar na rua com uma multidão, algo que, em algum sentido, cria um sentimento de comunidade. Isso em troca de uma vida cada vez mais isolada, solitária e encapsulada.
Eu acho que esse mundo novo da política se explica pelos ressentimentos, é verdade. Mas quase na mesma proporção pelos prazeres que uma massa de gente precária passou a gozar.
Não sei qual a solução. Eu não sei se é dominarmos as “tecnologias” (no sentido amplo) deste novo mundo. Porque não acho que elas sejam neutras. Ou seja, eu não sei se é possível dominar esta nova forma do político sem ser o deles.
Do mesmo modo que um monarquista constitucional em 1789, 1793 não poderia incendiar um clube com um discurso ou mobilizar as massas pra buscar o Rei na unha em Versalhes sem ser um revolucionário. Não sei se há está possibilidade 👇
O que sei é que, antes da necessária unidade na hora fatal, é preciso voltar a falar de um mundo alternativo a esse, voltar a imaginar o que não existe, fabular outras possibilidades de sociedade.
Do contrário, não há chamado de emergência que impeça o caos para sempre.
(E aproveite pra ouvir os argentinos, nesta matéria tão legal do Álvaro...)
https://globoplay.globo.com/v/12127319/