A língua inglesa perde parte insubstituível do seu brilho com a morte de Martin Amis. Herdeiro da melhor mordacidade britânica, foi língua afiada e arriscada do seu tempo, rockstar e referência.
É lenda e foi motivo de muita inveja a amizade que uniu Amis e os melhores de sua geração na Inglaterra. Eram intermináveis os almoços líquidos de sexta-feira entre ele e Salman Rushdie, Ian McEwan, Julian Barnes e todo o restante do cast estelar… e Christopher Hitchens, seu irmão de sangue e ídolo dele, meu. Nossos melhores amigos são os que mais admiramos. Inclusive os que jamais conheceremos.
É impossível imaginar a cena literária transatlântica dos 80 pra cá subtraindo esses nomes. Fôrma influente, que se fez naquele instante e vai se quebrando, motivo adicional pra celebrarmos a permanência de Rushdie.
Esbarrei em Amis com esse pocket amarelado de “Money” que vês na foto. É o livro definitivo sobre yuppismo, antes de se falar de yuppies, primeira edição de 1984, a minha de 1985. Por que comprei, indicação de quem, de onde? Mistério.
Tem um selinho rasgado na folha de rosto que traça a origem: Livraria Belas Artes, Alameda Lorena. Eu morava ali perto. Tinha vinte anos e pensei, “mas pode escrever assim?”
“Money”, subtítulo “A Suicide Note”, nos agarra na primeira pessoa de seu protagonista, John Self, um escroto que só pensa em dinheiro e como gozar com ele. Voz é tudo, dizia Amis, “plots are for thrillers”. Quem no nosso tempo dominou melhor que Amis a voz em inglês, para os grandes temas e o rame-rame?
É isso que faz Amis especial em sua gangue: sua excelência simultânea absurda em ficção e não ficção. Os obituários com justiça dedicarão mais espaço para seus romances, que evidentemente ficarão, do que para seu jornalismo, sempre papel de peixe do dia seguinte. Aqui está o do New York Times e o do Guardian, que traz também uma boa explicação do escritor Geoff Dyer para nossa admiração geracional por Amis.
Mas visto que hoje que o papel se foi e nossa memória é digital, insisto para que leias suas entrevistas, ensaios, críticas, reportagens. Estão por aí no éter. Impossível numerar quantas vezes reli suas coletâneas de não-ficção “The Moronic Inferno” e “Visiting Mrs. Nabokov”; a definitiva é “The War Against Cliché”.
Sardônico, era homem de convicções, que explicitava pontualmente e com zero receio de ofender. Provocou esperneio em certa esquerda passa-pano com “Koba The Dread: Laughter and the Twenty Million”, exumando o grande terror stalinista.
Nunca abri, por preguiçosa concordância a priori. Nunca abri vários livros dele, por essa ou aquela razão ruim. Está em tempo, sempre será tempo para ler Martin Amis; é impossível matar sua voz.
Que você pode ouvir aqui, cortando nosso coração, na sua eulogia a Christopher Hitchens.