Acima P.G. Wodehouse, o inventor da sitcom (!). Este artigo abaixo foi escrito pelo camarada Edson Aran, humorista, cartunista, roteirista, jornalista. Você deve visitar o Aran e se inscrever na newsletter dele imediatamente, aqui.
A narrativa longa de humor é das coisas mais complicadas da literatura. O problema é manter o fôlego e a graça. Na crônica, é fácil. É set up, desenvolvimento e punch line, como se fosse uma anedota mais elaborada.
No livro, no romance, tudo muda. O primeiro risco é que a “piada” perca a graça. O segundo é que a estrutura da história acabe comprometida para encaixar episódios cômicos. Apesar dessas dificuldades, a narrativa longa de humor inclui gente de peso como Rabelais, Swift e Cervantes, entre dezenas de outros.
Listar apenas cinco livros foi difícil. Deixei propositalmente de fora “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, de Douglas Adams, que se encaixa melhor em outra categoria, a das “narrativas fantásticos de humor”. Mas isso é conversa pra outra hora.
Furo!, de Evelyn Waugh
O editor do jornal inglês “The Daily Beast” confunde um repórter de guerra chamado William Boot com um cronista provinciano chamado John Boot e envia o homem errado para cobrir a guerra civil da Ismaélia, na África Central. John Boot não tem a mínima ideia do que está fazendo, mas ele não é o único. Os outros correspondentes de guerra passam o dia inteiro no hotel, inventando conflitos que não existem. O governo do país mente o tempo todo e os supostos guerrilheiros estão tão embrenhados na selva que ninguém sabe se eles são reais. Apesar de todos os desacertos, Boot consegue o que ninguém tem: um furo de reportagem. Waugh, que também foi jornalista, trata a profissão com o sarcasmo e a ironia que ela merece.
Obrigado, Jeeves – P.G. Wodehouse
So sorry, mas o segundo escritor também é inglês. Os nativos da Pérfida Albion são muito bons em narrativas cômicas e Wodehouse é um dos mais divertidos entre eles.
Ele escreveu 14 livros com o aristocrata decadente Bertie Wooster e seu mordomo Jeeves, um faz-tudo que vive resolvendo as confusões que o patrão cria. As tramas se passam sempre em casas de campo enormes, com casais se desentendo por motivos bestas e velhas tias endinheiradas se metendo em tudo.
Todos os livros são divertidos e esquecíveis, mas muito bons para tardes preguiçosas. “Obrigado, Jeeves” é igual a todos os outros, mas tem Bertie Wooster com uma barbicha insolente e um banjo insuportável, o que irrita o mordomo de tal maneira que ele é obrigado a pedir demissão. É uma sitcom em forma de literatura. Breve e leve como um episódio de Seinfeld.
The mouse that roared – Leonard Wibberley
O americano Wibberley escreveu mais de cinquenta livros para adultos e crianças, mas sua série do “rato”, uma sátira à Guerra Fria, é a mais popular. Esse romance de 1955 se passa no ducado de Grand Fenwick, um minúsculo país europeu próximo aos Alpes.
A economia local depende de um único produto, o vinho Pinot Grand Fenwick. Tudo vai bem até que os americanos da Califórnia roubam o mercado com uma versão “pirata”, o Pinot Grand Enwick, levando o país à bancarrota. Sem alternativa, o condado declara guerra aos Estados Unidos com a intenção de ser derrotado, para que um “Plano Marshall” o salve da recessão.
O problema é que o pequeno exército de 20 arqueiros vence a guerra. Pior ainda: Grand Fenwick se torna uma potência nuclear, ao lado dos Estados Unidos e da União Soviética. Wibberley escreveu cinco livros dessa série, nenhum deles traduzido para o português. Em 1959, o livro virou filme com Peter Sellers em vários papéis.
O Púcaro Búlgaro – Campos de Carvalho
Depois de ver um púcaro búlgaro num museu da Filadélfia, o obstinado narrador anônimo decide organizar uma expedição à Bulgária, para comprovar se o país de fato existe.
Ele coloca um anúncio no jornal e fica à espera de que os desbravadores se apresentem, o que acaba acontecendo. O livro não tem exatamente uma trama, mas é um diário pormenorizado dos preparativos para a viagem, que só começa no último capítulo.
Nada disso importa, porque o humor de Campos de Carvalho é baseado no nonsense, em especulações filosóficas e no mais puro besteirol. Ele é um dos nossos maiores escritores, mas nós somos sérios demais para admitir isso.
Ardil 22 – Joseph Heller
Joseph Heller divide com Kurt Vonnegut o título de “Melhor Satirista Antibelicista do Século 20”. Mas Vonnegut quase sempre desliza para a depressão, enquanto Heller mantém o humor mesmo sob tiroteio.
“Ardil 22” conta a história de Yossarian, um completo maluco que é tripulante de um avião bombardeiro durante a Segunda Guerra Mundial. A trama circular vai crescendo em horror e absurdo até que a própria guerra se transforma num subproduto do mercado negro administrado pelos oficiais americanos.
“Ardil 22” foi leitura obrigatória entre os ativistas que protestavam contra a guerra do Vietnã e é considerado um dos livros mais subversivos da literatura americana. O que, aliás, guarda uma lição importante: humor ou é subversivo ou não serve pra nada.
UAUUUUU! O louco é sentir que você leu e conhece profundamente tudo isso. Parabéns. Uma verdadeira viagem pelos escritos desses caras. E não tem nenhuma mulher que possa ganhar destaque nessa super lista???