Contra o FutureWashing, o barulho da quebrada
A rua encontra seus próprios usos para a tecnologia. Mas pode ser também o rock, ou a selva - e até a selva profissional
Esses dias eu estava trocando umas mensagens com uma amiga sobre o futuro e como ninguém que manda tá olhando pra frente. Mais ou menos assim:
“A turma no poder não faz a menor ideia do que vem por aí. Tão no século 20, frequentemente escorregando pro 19. Se eu fosse o mestre da comunicação desse governo lançava a campanha global BRAZIL GREEN AI. Tech e verde e samba e amazônia. Revolução educacional etc. com IA na favela e o escambau. Letramento IA pra professores e estudantes da rede pública. IA ribeirinha, quilombola, da quebrada. Botar as máquinas pra trabalhar pra galera. E as Big Techs pagando a conta. Imagine.”
Comentários da sister: “Seria um case mundial e legado, que é o que precisa. No G20, desdobrando na COP30.”
Eu também falei: “Eu modestamente acho que a tecnologia (IA inclusa) vai mudar o mundo mais nos próximos 5 anos que nos últimos 50. Mas sou um péssimo futurista.”
E ela, que labuta a meia vida nas trincheiras do digital & nas fronteiras do poder, disse: “Eu concordo plenamente.”
Mas fuja do futuro.
Porque o "futuro" que tão nos vendendo é único, limitante, inevitável, autoritário.
É futuro só na fachada. É hype. É propaganda de banco que financia os responsáveis pela Crise Climática e cobra dos brasileiros os maiores juros do planeta. Você viu que a Febraban tá trazendo a Amy Webb pro Brasil?
É tudo FUTUREWASHING. Que pode ser Pink, Green, Purple, Blue e todo um incrível arco-íris de fumaça. Como descrito num trabalho incrível da Joice Preira e Arianna Mereu, do Italian Institute for the Future.
Conheci através da Valeria Prandini e recomendo demais para você.
Agora que você enxergando todos esses tipos de Washing não vai conseguir mais desenxergar. Ele está em todo lugar.
Dá um banho de loja em tudo que é novo - a nova política, a nova sexualidade, literatura, moda, tecnologia. Em tudo que cheira novo e de novo não tem nada. Não pode ter frescor verdadeiro, ou se esvai em cinzas feito Drácula empalado na estaca, porque é morto-vivo.
E aqui está o PDF completão do trabalho, no perfil LinkedIn de uma das autoras, a Arianna. Eu li todo e fiquei pensando que esse “futuro” é só e nada mais que uma maneira fashionista de embalar e perfumar práticas obsoletas e nocivas.
Tão te vendendo caro cem gramas de enrolação cara-dura no shopping Cidade Jardim e levarás para casa numa caixinha linda com tiragem limitada da Louis Vuitton, perfumada por raras ervas da Amazônia profunda, abençoada por monges do Tibet, com papel de embrulho reciclável desenhado pelo Yoshitaka Amano e tudo CARBONO ZERO.
A Marta Gabriel fez esse videozinho pra gente em HOMEWORK em que fala da importância de “Letramento de Futuro”. É isso. Quem não se prepara se estrumbica. Tanto pra enfrentar essa enganação ridícula de futuro único como o verdadeiro futuro múltiplo, imprevisível, irrefreável.
Eles chegaram juntos e a milhão. Já diziam os cyberpunks lá nos anos 80: "the street finds its own use for tech”, a quebrada recria a tecnologia pros seus objetivos. Que são sobreviver, florescer e causar. Inclusive causar problema.
Recomendo que você se inspire nesses moleques aí, enquanto os bancos promovem seus seminários e os políticos debatem quantos anjos cabem em um chip.
Assiste aí a Martha. Se liga em HOMEWORK. Tem muita coisa boa lá, ainda que nem tudo seja para você. Só essa semana tivemos a estréia de mais dois colaboradores sensacionais, que aliás também estão aqui no Substack e você deve acompanhar e apoiar: Rodrigo James, da
, e Alexandre Gonçalves, do . Uia!A prova que HOMEWORK tem conteúdo de valor é que tivemos mais de um milhão de usuários POR SEMANA no mês passado. Como? Se você contratar nossa consultoria, te conto.
E também tem lá em Homework os meus vídeos. Eles tiveram insanas 736 mil visualizações em março. Baby, I´m A Star. Hora de atualizar o media kit!
É útil o trabalho da Martha, que pensa o futuro sem dramatizar, sem simplificar e também sem aliviar. Seu livro novo, "Liderando o Futuro", é uma cutucada e cartografia para você repensar suas habilidades e decisões profissionais - já, não algum dia.
E ei, tem o livro novo do Marcelo Tas, também, “Hackeando sua Carreira”. Não li ainda mas considerando quantas carreiras o Tas tem e quantas vezes ele mudou de rumo, deve ter muito a dizer.
Eu sou um péssimo futurista, mas profetizo que em cinco anos o desemprego / subemprego / bico será muitíssimo maior que hoje na maioria dos países. Tipo bomba de nêutrons, sobrarão prédios vazios. Não precisa ser Nostradamus pra cravar essa. É o resultado lógico dos investimentos sendo feitos (ou não feitos) hoje.
É a IA e é muito mais que a IA. É automação, nanotech, biotech, globalização, ultrafinanceirização, destruição premeditada do social state, envelhecimento da população que segue crescendo loucamente, crise climática, reacice rediviva. E ferramentas filosóficas, educacionais, institucionais de dez, cem, cinco mil anos atrás para lidar com tudo isso.
Parece prudente desvincular o trabalho da sobrevivência. Renda básica e welfare para todos os humanos. Que venham mais e mais ganhos de produtividade, e bora distribuir eles direito.
Trabalho cansa. Trabalho deve ser luxo para alguns poucos. Humanos muito necessários, que deverão ser fantasticamente bem remunerados por suas habilidades insubstituíveis por máquinas.
Por exemplo, cuidador de idoso. E cozinheiro. E instaladora de painel solar. E barbeiro pra gente bater papo.
E quem sabe criadores de tecnologia bacana e acessível. Como a turma da brasileiríssima Maritaca.AI, criadores da Maritalk, que ilustra esse post lá no alto.
E trampo pra você aí - você tá fazendo algo melhor que as máquinas farão, né? Pelo menos você já tá botando as máquinas pra trabalhar pra você, né?
E tem que ter grana farta pra artista continuar fazendo arte. Como a Kim Gordon, 71.
Lenda dos anos 80, Kim 2024 enterra qualquer ilusão de que o novo é privilégio da juventude. Bota as máquinas pra trabalhar pra ela: é rock, noise e trap. O som da rua via sete décadas de vivência e underground.
Ouça o tchau e fôda-se que ela manda pros amanhãs mentirosos. Assista Kim dando seus pulinhos sem cair do salto alto; a repetição estilosa e ensurdecedora até o clímax, barulho vencendo o ruído.
Soando como o presente.